Os desafios e a história da separação entre política e religião no Brasil e se é possível manter Estado laico.
Política e religião no Brasil: é possível separar?
Por Carlos Santos
A relação entre política e religião no Brasil é uma história tão antiga quanto as próprias instituições do país. Desde o decreto que oficializou a separação entre Igreja e Estado, até a influência incontestável dos líderes religiosos em decisões políticas recentes, o Brasil vive uma tensão constante entre fé e política. Neste post, vamos explorar se realmente é possível — e desejável — separar esses dois universos, tão entrelaçados e, por vezes, conflituosos.
Historicamente, a separação entre Igreja e Estado no Brasil foi formalmente estabelecida em 1890, com o decreto 119-A do governo provisório da República, que instituiu a liberdade religiosa e proibiu qualquer intervenção do Estado em assuntos religiosos. No entanto, esse marco legal não extinguiu totalmente a influência da Igreja, especialmente da Igreja Católica, no cenário político e social do país. O Estado até comprometeu-se temporariamente a pagar certas despesas religiosas, demonstrando uma relação simbiótica ainda latente naquela época.
Avançando até os nossos dias, vemos que, embora o Brasil seja oficialmente um Estado laico, a religião entrou com força na política. O ex-presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, popularizou o slogan "Deus acima de todos" e participou ativamente de ritos religiosos, além de cercar-se de políticos evangélicos que compõem uma bancada expressiva e influente no Congresso Nacional, levantando questões éticas e morais que impactam diretamente na legislação, especialmente em pautas como aborto, ideologia de gênero e direitos LGBTQIA+.
O Brasil, portanto, vive um paradoxo entre a laicidade formal e a presença constante da religião nas decisões políticas, o que traz à tona a pergunta: será que é possível separar política e religião num país onde a fé se confunde com a identidade?
A bancada evangélica no Congresso Nacional conta com mais de 90 deputados federais e 8 senadores, números que aumentam a cada legislatura e consolidam o poder dos grupos religiosos no Legislativo.
Segundo o último censo do IBGE, cerca de 84% da população brasileira se identifica com alguma religião, onde o catolicismo ainda lidera, seguido pelo crescimento acelerado das igrejas evangélicas, o que fortalece o peso dessas comunidades nos processos políticos e eleitorais.
Pesquisas recentes indicam que 71% dos eleitores brasileiros afirmam que a religião influencia sua decisão de voto, fato que reforça a confluência entre crenças religiosas e escolhas políticas.
Este cenário numérico evidencia uma realidade muito além da teoria constitucional da laicidade, apontando para a influência política direta de grupos religiosos dentro do Estado.
Vozes críticas e estudiosos têm debatido essa confluência, enfatizando que "não é possível colocar todos os religiosos no mesmo grupo". Há divergências internas, com grupos religiosos progressistas que apoiam pautas sociais como direitos das minorias, enfrentando os setores conservadores que lutam para preservar costumes tradicionais.
Entretanto, o envolvimento aberto da religião na política provoca inquietação em ateus, agnósticos e mesmo em setores do Estado laico, pois pode comprometer a neutralidade garantida pela Constituição, tornando certos grupos privilegiados e produzindo resistências às políticas públicas inclusivas. O sociólogo português Pedro de Andrade afirma que essa questão demanda cuidado, pois "posturas políticas convergentes não significam que os grupos pensem igualmente", mostrando a complexidade do debate.
Como avançar diante desse quadro? Algumas possibilidades se destacam para preservar a laicidade e garantir a pluralidade religiosa e política, sem que religião e política se confundam:
Fortalecimento da educação laica: informar a população sobre os direitos e deveres em uma democracia pluralista, educando para o respeito à diversidade e à separação institucional.
Diálogo inter-religioso e transversalidade política: estimular lideranças religiosas e políticas a dialogarem em espaços públicos, respeitando os limites da laicidade, mas reconhecendo a diversidade de opiniões.
Legislação clara e fiscalização do Estado laico: garantir que as decisões políticas não sejam fundamentadas exclusivamente em princípios religiosos, protegendo grupos minoritários e direitos humanos.
Participação crítica da sociedade civil e academia: ampliar debates, pesquisas e refletir sobre os impactos dessas relações, sensibilizando gestores públicos para respeitar a separação Estado-Religião como princípio constitucional.
Até que ponto a presença da religião na política pode fortalecer valores sociais e morais?
Quando essa influência começa a ameaçar direitos fundamentais e a diversidade social?
É possível ter uma democracia plena se grupos religiosos influenciam decisões de Estado?
O Estado laico precisa ser entendido como um espaço de respeito à religião, não como a ausência dela.
A Constituição Federal de 1988 assegura o Estado laico e a liberdade religiosa, mas a coexistência entre esses princípios não é tarefa trivial no cotidiano político brasileiro. O decreto de 1890 marcou a separação formal, mas a história mostra que comunidades religiosas sempre desempenharam papel central na formação do país.
Rui Barbosa e o bispo Antônio de Macedo Costa foram personagens cruciais na construção dessa negociação, que, apesar dos avanços legais, deixou brechas para influências recíprocas. Esse equilíbrio delicado permanece um dos maiores desafios político-sociais do Brasil.
A expressão "separação entre Igreja e Estado" jamais aparece literalmente na Constituição brasileira. Ela deriva de um conceito político-jurídico desenvolvido a partir da experiência americana e europeia, que visa garantir o secularismo do poder público e a liberdade religiosa para os cidadãos.
Mesmo depois do decreto de 1890, o Estado brasileiro continuou pagando a chamada "côngrua" e subvencionando seminários, o que mostra a complexidade dessa separação inicial.
As bancadas temáticas no Congresso Nacional, como a evangélica, atuam fortemente na defesa de pautas morais, influenciando decisões políticas e restringindo debates em torno de minorias.
A relação entre política e religião no Brasil seguirá sendo um campo de disputa entre laicidade constitucional e a influência social religiosa. O crescimento político de grupos religiosos evidencia que essa tensão não é passageira.
Para o futuro, é necessário que o país busque uma convivência em que a liberdade religiosa seja inquestionável, mas sem que essa liberdade se sobreponha à pluralidade, à democracia e aos direitos humanos. Debater, regulamentar de forma transparente e educar para o respeito mútuo serão os pilares para que a separação exista não só no papel, mas na prática.
Âncora do conhecimento
Para compreender os desafios estruturais que travam o desenvolvimento social e educacional do Brasil — e que têm conexões diretas com as tensões entre política e religião, já que ambas moldam visões de mundo e prioridades institucionais — recomendo a leitura do post "Saiba o que ainda falta para o Brasil garantir educação de qualidade e como podemos transformar essa realidade".
Nesse texto, explico como faltam políticas públicas consistentes, valorização dos profissionais da educação e gestão comprometida, elementos essenciais para que o país alcance um futuro mais justo e desenvolvido. A reflexão sobre educação complementa nosso debate sobre a influência da religião na política, pois ambos os setores impactam profundamente o exercício da cidadania e o fortalecimento da democracia.
Para ampliar sua visão e se engajar criticamente em como o Brasil pode evoluir, leia o post completo.
Tomar consciência dessas conexões é o primeiro passo para agir — seja cobrando representantes, participando do debate público ou construindo um país com políticas realmente inclusivas e laicas. A transformação está ao alcance, basta decidirmos caminhar juntos.
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