O analfabetismo funcional paralisa o desenvolvimento do Brasil. Saiba por que este problema invisível exige ação urgente.
Analfabetismo funcional: o problema invisível que trava o país
Por Carlos Santos
Imagine viver em um país onde quase um terço das pessoas não compreende totalmente bulas de remédio, instruções do cartão do SUS, contratos de trabalho ou o noticiário. Agora repare: este país é o Brasil, hoje, em 2025. Por trás das estatísticas aparentemente imutáveis, outros dramas acontecem – e pouco se fala sobre eles. O analfabetismo funcional não estampa capas de jornais nem faz buzinar as redes, mas determina diretamente quem pode exercer plenamente a cidadania, quem terá melhores trabalhos e até quem corre mais ou menos riscos de ser enganado no cotidiano.
O véu da compreensão: o maior bloqueio invisível do Brasil
O analfabetismo funcional é mais do que a incapacidade de ler e escrever. É a barreira que impede reais oportunidades de ascensão social, coíbe o exercício crítico da democracia, restringe o acesso ao ensino superior e rouba do país sua potência criativa. Falamos de um Brasil travado, onde milhões carregam um diploma, mas não conseguem interpretar o básico de um texto ou realizar cálculos simples que vão além do troco da padaria.
🔍 Zoom na realidade
Pouca gente suspeita da profundidade desse abismo social. “A maioria das pessoas pensa que, depois da alfabetização, o problema foi resolvido. Não foi”, explica uma professora da rede pública do Rio Grande do Norte, com quem conversei meses atrás. “O aluno decora palavras, mas não entende o que está lendo. Sai da escola com certificado e sem autonomia.”
O funcionalmente analfabeto consegue, no máximo, decifrar placas, escrever frases curtas e reconhecer números conhecidos – mas não compreende notícias, não interpreta instruções e não lê contratos com segurança. Fica, portanto, à margem de direitos, oportunidades e dignidade.
O analfabetismo funcional atinge mais quem já é duplamente vulnerável: negros, indígenas, moradores de periferias e zonas rurais, idosos, mulheres chefes de família. Os dados revelam que as vítimas desse problema carregam, além da dificuldade de letramento, o peso da desigualdade social e econômica.
📊 Panorama em números
As estatísticas desafiam a noção de que “todos já leem e escrevem” no Brasil. Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) de 2025:
29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais.
Ou seja, quase 60 milhões de pessoas!Entre os jovens de 15 a 29 anos, o índice subiu de 14% (2018) para 16% (2024), mostrando uma regressão preocupante, atribuída à pandemia e à precariedade do ensino remoto.
Apenas 10% da população atingiu o nível “proficiente” de alfabetismo, ou seja, capacidade plena de interpretar, analisar e produzir textos complexos e resolver problemas matemáticos avançados.
No recorte regional e etário, o problema é mais grave entre os maiores de 40 anos, chegando a 51% dos brasileiros com 50 anos ou mais.
Dados do IBGE mostram que mais de 9,1 milhões de brasileiros deixaram a escola antes de concluir a educação básica, e mais da metade dos jovens entre 15 e 17 anos que abandonaram os estudos sequer finalizaram o ensino fundamental.
Destaque visual:
“Três em cada dez brasileiros são analfabetos funcionais. O índice não recua desde 2018.”
Esses números escancaram uma estagnação preocupante, agravada por cortes em investimento, má formação de professores, escassez de bibliotecas e desvalorização do hábito de leitura.
💬 O que dizem por aí
As vozes que denunciam o problema são múltiplas:
Educadores alertam sobre a “formação de leitores burocráticos”: estudantes que leem para responder questões de prova, não para compreender o mundo.
Economistas apontam o prejuízo bilionário para o país. A cada ano, meio milhão de jovens chega à vida adulta sem dominar habilidades básicas, o que representa perda equivalente a 3,5% do PIB pela baixa produtividade e exclusão do mercado de trabalho qualificado.
Sociólogos avaliam que o analfabetismo funcional aprofunda desigualdades regionais e raciais, já que a chance de se alfabetizar plenamente está relacionada ao CEP e à cor da pele.
Jovens entrevistados pela pesquisa Inaf relatam que se sentem humilhados ao não conseguir entender instruções simples. Relatos sugerem: “é como se caminhasse sempre com uma venda nos olhos”.
🧭 Caminhos possíveis
Reconhecendo a complexidade e multiplicidade de causas do analfabetismo funcional, especialistas defendem uma abordagem integrada. O combate passa por várias frentes:
1. Fortalecimento da educação básica
Investir em formação continuada de professores, infraestrutura escolar adequada e acesso a materiais didáticos atualizados e contextualizados. Escolas necessitam ser espaços de letramento vivo, estimulando leitura crítica desde cedo e valorizando diferentes realidades regionais e culturais.
2. Políticas públicas de longo prazo
Programas de alfabetização devem ser contínuos, avaliados e expandidos, com foco na educação de jovens e adultos (EJA) e resgate de quem abandonou a escola. Experiências internacionais mostram que políticas consistentes e transversais fazem a diferença.
3. Valorização da leitura no cotidiano
Clubes de leitura, bibliotecas comunitárias, projetos culturais e incentivo à leitura nas famílias – tudo soma para cultivar leitores autônomos ao longo da vida. Empresas podem criar parcerias com escolas para promover letramento funcional dos funcionários.
4. Combate à desigualdade e evasão
Mapeamento dos públicos mais vulneráveis, oferta de bolsas, apoio psicossocial e promoção da inclusão digital são fundamentais para reduzir o impacto das condições socioeconômicas e da evasão escolar.
5. Uso de tecnologia e inclusão digital
Popularização de plataformas educativas digitais, ampliação do acesso à internet e capacitação para o letramento digital também são peças-chave num mundo cada vez mais mediatizado.
🧠 Para pensar…
“Num país que não lê, a democracia manca e a cidadania é capenga.”
Essa frase, dita por um historiador de Mossoró, ecoa na rotina de quem vê o analfabetismo funcional minar o debate público. E se perguntássemos: como exigir direitos se não compreendemos a linguagem das leis, das campanhas políticas, até mesmo dos panfletos das ruas?
Além do impacto prático, o analfabetismo funcional limita a imaginação coletiva sobre o futuro do país. Quando perdemos a capacidade de interpretar criticamente, abrimos espaço para manipulações de todo tipo – das notícias falsas aos golpes financeiros.
E, do ponto de vista emocional, o drama é individual: há adultos que nunca leram livros para os próprios filhos, não por desinteresse, mas por insegurança. Jovens que evitam processos seletivos com medo de errar na redação ou não saber interpretar textos. Isso fere sonhos e trava trajetórias.
📚 Ponto de partida
Como cidadão e cronista, revisito minha infância: na casa simples da periferia, meu maior patrimônio era o livre acesso à pequena biblioteca comunitária do bairro. A escola, sem recursos, mas com professoras apaixonadas, abriu brecha para que eu me tornasse leitor, escritor e, depois, jornalista. Penso nos inúmeros colegas que, por falta de estímulo e letramento, seguiram caminhos bem distintos.
Não se trata de nostalgia, mas de constatar que o acesso à leitura plena transforma destinos e produz cidadania ativa.
Leitura salva, literalmente. A luta pela alfabetização funcional precisa sair do discurso e ocupar as casas, os centros comunitários, as fábricas e os parlamentos.
📦 Box informativo 📚 Você sabia?
O analfabetismo funcional não é exclusividade dos adultos mais velhos: está crescendo entre jovens, especialmente depois da pandemia de Covid-19.1
Apenas 10% dos brasileiros alcançam o nível máximo de compreensão e produção de textos.
O número médio de livros lidos por ano pelo brasileiro segue abaixo da média mundial.
O analfabeto funcional pode votar, mas geralmente não se sente apto a participar ativamente de debates públicos.
🗺️ Daqui pra onde?
É fundamental transformar essas estatísticas em urgência nacional. Não bastam promessas de campanha ou políticas episódicas.
O que precisa mudar:
Investimento real e contínuo em educação básica, valorização dos professores e acesso universal à leitura;
Criação de programas intersetoriais entre saúde, assistência social, cultura e educação;
Ampliação da educação de jovens e adultos, com metodologias inovadoras, acolhimento e acompanhamento biopsicossocial;
Participação da sociedade civil na cobrança, fiscalização e execução de políticas;
Valorização da diversidade: adaptar materiais e metodologias para atender diferentes realidades sociais, regionais e culturais;
Fomento à cultura letrada em todos os espaços de convívio, das empresas às igrejas.
O problema do analfabetismo funcional não se resolve com um único remédio, mas com uma profunda reestruturação das prioridades nacionais.
Âncora do conhecimento
Para compreender melhor os dilemas estruturais da desigualdade que perpassam a educação e moldam o analfabetismo funcional, recomendo a leitura do nosso post anterior:
Os desafios e história da separação social no Brasil: raízes e impactos.
Clique aqui para acessar e aprofundar o entendimento sobre como essas divisões persistem e influenciam as oportunidades educativas.
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