A obsessão pela produtividade está nos adoecendo. Descubra como desacelerar pode ser um ato de resistência e bem-estar.
A pressa que custa caro: como o culto à produtividade nos adoece
Por Carlos Santos
O relógio virou patrão
Vivemos sob a tirania dos ponteiros. O tempo, que antes guiava o plantio e a colheita, hoje comanda nossos corpos, pensamentos e emoções. A lógica da produtividade, nascida na Revolução Industrial e turbinada pelo capitalismo digital, invadiu nossas rotinas, nossos relacionamentos e até nosso descanso. Estamos sempre "atrasados", mesmo que ninguém saiba exatamente para onde.
Pior: adoecemos tentando dar conta de tudo. O culto à produtividade, muitas vezes disfarçado de sucesso, esconde uma epidemia silenciosa de burnout, ansiedade e depressão. Estamos pagando caro por essa pressa.
Subtítulo estratégico: Quando produzir vira obsessão, a vida perde o ritmo
A busca incessante por ser mais eficiente e fazer mais em menos tempo não é apenas um problema individual, mas um reflexo de um modelo de sociedade que valoriza o desempenho acima do bem-estar. Transformamos cada momento em oportunidade de rendimento, e cada falha em culpa. Até o tempo livre foi cooptado pela lógica do fazer — o lazer virou mais uma área a ser "monetizada".
🔍 Zoom na realidade
No Brasil, a produtividade virou uma espécie de religião moderna. Acordamos com despertadores inteligentes, marcamos reuniões em calendários digitais, respondemos mensagens fora do expediente e comemoramos noites mal dormidas como troféus de dedicação.
Nas redes sociais, impera a romantização do "trabalhar enquanto eles dormem". Influenciadores vendem a ideia de que acordar às 5h e fazer 10 tarefas antes do café da manhã é sinal de sucesso. Mas a realidade é bem diferente.
Segundo a Associação Internacional de Gerenciamento de Estresse (ISMA-BR), cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout, o que nos coloca entre os países mais afetados no mundo. E o que está por trás disso? Um sistema que premia o excesso e marginaliza o descanso.
"A exaustão virou status social, e o descanso, uma fraqueza a ser superada."
Essa lógica se espalha em todas as áreas: desde estudantes que viram noites estudando como prova de mérito até pais e mães que se sentem obrigados a "dar conta de tudo" enquanto trabalham e cuidam de casa. O preço? Uma população esgotada emocional e fisicamente.
📊 Panorama em números
Vamos aos dados que escancaram essa realidade:
84% dos brasileiros se dizem cansados mentalmente, segundo levantamento da Hibou Pesquisas.
O Brasil é o segundo país com mais casos de ansiedade no mundo, de acordo com a OMS (2023).
60% dos trabalhadores relatam sentir culpa ao descansar, de acordo com pesquisa da MindMiners.
Em média, brasileiros trabalham 41,5 horas por semana, com jornadas estendidas e pouco tempo de ócio.
78% dos brasileiros dizem ter dificuldade em equilibrar vida profissional e pessoal, segundo dados da Randstad.
O índice de afastamentos por transtornos mentais aumentou em 37% nos últimos cinco anos, conforme o INSS.
Além disso, a informalidade crescente e a precarização das relações de trabalho agravam o cenário. Quando não se tem garantias, direitos ou segurança, o corpo e a mente viram a única ferramenta de sobrevivência. E são levadas ao limite.
Há também o impacto silencioso nas crianças e adolescentes. Uma geração que cresce vendo os adultos estressados, ausentes e sempre ocupados internaliza desde cedo a ideia de que "ser produtivo" é mais importante que "ser feliz". As escolas, por sua vez, já inserem os alunos em lógicas de metas, rankings e desempenho — mesmo quando mal aprenderam a brincar.
💬 O que dizem por aí
A crítica ao culto à produtividade tem ganhado força em diferentes setores. A escritora e ativista norte-americana Tricia Hersey, criadora do movimento "The Nap Ministry", defende que o descanso é um ato de resistência política. Para ela, o capitalismo nos convenceu de que não temos valor se não estivermos produzindo.
Já no Brasil, autores como Christian Dunker e Marcia Tiburi apontam a produtividade como um novo tipo de opressão simbólica. "Vivemos sob o regime da performance", escreve Tiburi, "em que até a tristeza precisa ser eficiente."
A psicóloga Ana Claudia Quintana Arantes, conhecida pelo trabalho com cuidados paliativos, afirma que "descansar não é perder tempo — é recuperar-se para viver com mais sentido".
Até mesmo empresas estão revendo suas políticas. No Japão, conhecido por sua cultura workaholic, algumas companhias estão reduzindo jornadas para evitar mortes por excesso de trabalho (karoshi). Na Europa, cresce o movimento por semanas de quatro dias.
Aqui no Brasil, a pandemia escancarou os limites da produtividade sem pausas. O home office intensificou a cultura do "sempre disponível", e muitos profissionais perderam a fronteira entre casa e trabalho. Em resposta, iniciativas de bem-estar começaram a surgir, como programas de saúde mental corporativos, pausas remuneradas e reestruturações de carga horária.
Na prática, ainda são ações isoladas. Mas apontam uma semente de mudança.
🧭 Caminhos possíveis
O primeiro passo é reconhecer: não somos máquinas. A produtividade tem seu lugar, mas não pode ser o centro da existência humana. Precisamos resgatar o valor do ócio criativo, do tédio fértil, do descanso sem culpa.
Algumas práticas possíveis:
Reorganizar a rotina com pausas reais, mesmo que breves, durante o dia.
Limitar o uso de redes sociais e notificações fora do expediente.
Revalorizar o sono como um bem essencial e não como um luxo.
Criar espaços de escuta e apoio emocional nos ambientes de trabalho.
Defender políticas públicas que respeitem a saúde mental: jornada justa, segurança social, acesso à cultura e lazer.
Estimular lideranças mais humanas, que entendam que resultados não podem custar vidas.
Educar desde cedo para o autocuidado, incluindo o tema no currículo escolar.
Em nível pessoal, praticar o autocuidado também é uma forma de resistência. Dizer "não" pode ser revolucionário. Desacelerar é um ato político.
"Não é sobre fazer menos. É sobre fazer com sentido."
E aqui vale uma provocação: se você tivesse apenas um ano de vida, manteria o mesmo ritmo que tem hoje?
🧠 Para pensar…
Que tipo de vida estamos construindo ao transformar tudo em tarefa?
O que realmente queremos deixar como legado: metas cumpridas ou memórias vividas?
Por que sentimos culpa ao descansar?
O que nos impede de assumir que não damos conta de tudo?
Talvez esteja na hora de lembrar que produtividade sem propósito é só desgaste. E que viver exige mais do que apenas funcionar.
📚 Ponto de partida
A reflexão sobre produtividade excessiva não é nova. Filósofos como Byung-Chul Han já alertavam para os riscos da "sociedade do cansaço", onde o sujeito se explora a si mesmo em nome da performance.
Outros autores fundamentais:
Bertrand Russell, com "Elogio ao Ócio"
Frédéric Gros, com "Andar, uma filosofia"
Lia Diskin, sobre espiritualidade e tempo
Jon Kabat-Zinn, com o conceito de atenção plena (mindfulness)
David Graeber, com a crítica aos "trabalhos inúteis" (bullshit jobs)
Esses pensadores nos ajudam a reconstruir nossa relação com o tempo e com a vida.
A filosofia, a espiritualidade e até a arte são caminhos de reencantamento do cotidiano. O mundo precisa de pausas — para criar, para sentir, para existir.
📦 Box informativo 📚 Você sabia?
O termo burnout foi incluído na Classificação Internacional de Doenças (CID-11) pela OMS como fenômeno ocupacional.
No Brasil, o direito à desconexão digital já foi proposto em projetos de lei.
Em 2022, o INSS registrou mais de 200 mil afastamentos por transtornos mentais relacionados ao trabalho.
O Brasil consome cerca de 15% dos ansiolíticos produzidos no mundo.
A prática do dolce far niente (do italiano, "doce fazer nada") é estudada como fonte de saúde mental e bem-estar.
Países como Islândia, Bélgica e Espanha testaram semanas de quatro dias sem perdas salariais e com melhora na qualidade de vida.
🗺️ Daqui pra onde?
Desacelerar não é retroceder. É recuperar o que foi perdido: o sentido do tempo, do corpo, das relações. Para além das metas, das entregas e dos cronogramas, existe vida.
É hora de reivindicar o direito ao descanso, ao tempo livre, ao não fazer. Porque a pressa custa caro — e o preço tem sido nossa saúde, nossa alegria e nosso futuro.
Vamos juntos reconstruir uma cultura que valorize o ser acima do fazer.
Comece pequeno. Reduza uma tarefa hoje. Respire fundo. Lembre-se: você não precisa provar seu valor a cada minuto
⚓ Âncora do conhecimento
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