A história do Boi Bumbá Flor do Campo em Tucuruí contada por quem viu nascer o grupo. Cultura, memória e resistência
O Boi Bumbá Flor do Campo: Uma História de Resistência Cultural em Tucuruí
Por Carlos Santos
As festas populares do Brasil são mais do que celebrações — são expressões de identidade, memória e resistência. Em Tucuruí, no Pará, uma manifestação em especial carrega o peso da tradição e o brilho da cultura viva: o Boi Bumbá Flor do Campo. O que muitos não sabem é que esse boi não surgiu por acaso. Ele nasceu do esforço de moradores apaixonados pela cultura e pela comunidade, como o Gito, filho de Dona Maria e do Sr. Salve, figuras inesquecíveis na minha memória afetiva dos anos 90.
Neste post, vou compartilhar uma lembrança pessoal profunda e ao mesmo tempo contar a história e as contribuições do Flor do Campo para a cultura de Tucuruí e do Pará. Mais do que nostalgia, trata-se de reconhecimento e valorização da nossa arte popular.
Uma infância marcada pelo som dos ensaios
Nos anos 1990, eu era apenas um menino agarrado na saia da minha mãe. Lembro bem das noites em que os ensaios do Flor do Campo tomavam conta da rua da casa da minha avó, já falecida. O batuque, o canto e os brincantes vestidos com suas fantasias vibrantes me causavam um misto de fascínio e medo. O boi parecia ganhar vida — dançava, cantava e hipnotizava.
Foi ali, no bairro do Mangal, que vi nascer o Flor do Campo. Seu surgimento não foi por vaidade ou espetáculo, mas por amor à cultura, por desejo de manter viva uma tradição que é nossa, do povo.
Eram ensaios simples, feitos com esforço coletivo, mas com alma. Gito, filho de Dona Maria, ao lado de tantos outros moradores da comunidade, não mediam esforços para manter o grupo ativo, mesmo com recursos escassos. Dona Maria, mãe também da Branca, da Ângela e do Denis, era presença marcante, e seu companheiro Salve — como era conhecido — também.
Do improviso ao palco: Flor do Campo ganha força
O Boi Flor do Campo cresceu. De um grupo de rua movido por paixão, foi ganhando forma como representação tradicional de Tucuruí em eventos culturais, arraiais e até competições regionais. Com o passar dos anos, sua atuação se profissionalizou: fantasias mais elaboradas, coreografias estudadas e um enredo que mistura lenda, arte e identidade local.
Ainda assim, nunca perdeu sua essência comunitária. O grupo sempre retornou à base: os ensaios no bairro, a força dos moradores, o envolvimento das crianças e o encantamento das famílias que viam ali não só uma festa, mas a perpetuação de um legado.
A contribuição cultural para Tucuruí e o Pará
O Flor do Campo representa mais do que a estética do Boi Bumbá. Ele é resistência cultural num território marcado pela diversidade e pelas transformações causadas pela urbanização e pelo avanço do capital energético na região de Tucuruí.
Ao longo das décadas, o grupo ajudou a formar jovens artistas, costureiras, músicos e coreógrafos. Promoveu a valorização da história amazônica, das lendas locais e das raízes indígenas e afro-brasileiras presentes na formação do nosso povo.
Além disso, o Flor do Campo fortaleceu o sentimento de pertencimento e orgulho entre os tucuruienses. Ao vê-lo desfilar, dançar e emocionar, a comunidade se reconhece, se enxerga — e isso não tem preço.
Opinião do autor: precisamos proteger o que é nosso
Hoje, ao ver tantos grupos culturais lutando por apoio, me encho de orgulho por ter presenciado, ainda menino, o nascimento do Flor do Campo. E mais do que orgulho, sinto responsabilidade.
Responsabilidade de contar essa história, de honrar os nomes de Gito, Dona Maria, Salve e tantos outros. Responsabilidade de alertar que, sem apoio público e reconhecimento real, manifestações como essa correm risco de desaparecer.
Manifestações como o Boi Bumbá Flor do Campo não devem ser vistas como "entretenimento folclórico", mas como parte vital da identidade amazônica. Elas são pontes entre o passado e o presente, entre o chão da rua e o palco dos grandes festivais.
📦 Box informativo
📚 Você sabia?
O Boi Bumbá é uma manifestação cultural presente em diversas regiões do Brasil, com destaque para o Norte e o Nordeste. No Pará, o movimento ganha força própria com grupos que misturam teatro, dança e música. Tucuruí, apesar de não ser centro tradicional como Parintins, abriga o Flor do Campo — um dos bois mais resistentes e ativos da região sudeste paraense. Ele atua não só nos arraiais locais, mas também em apresentações de cunho educacional e cultural.
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